AÇÕES AO PORTADOR – EXTINÇÃO OU FIM DO ANONIMATO

1. As ações das sociedades anónimas, quer sejam tituladas, quer sejam escriturais, podem ser nominativas ou ao portador, conforme a sociedade emitente tenha ou não a faculdade de conhecer a todo o tempo a identidade dos titulares.

De acordo com o Código de Valores Mobiliários, aplicável aos valores mobiliários (e, portanto, às ações), qualquer que seja a sua forma de representação, as ações dizem-se nominativas quando a sociedade emitente tem a faculdade de conhecer, a todo o tempo, a identidade dos titulares, sendo ao portador quando a sociedade emitente não tem tal possibilidade, a qual esta relacionada, em grande medida, com o regime de transmissão das ações.

Deve contar do registo da emissão das ações a identificação do primeiro titular. Tratando-se de posteriores adquirentes, há que distinguir.

Quanto às ações tituladas nominativas, a sociedade emitente consegue determinar a identidade dos titulares através do registo das transmissões junto da sociedade emitente ou do intermediário financeiro que a represente. No que diz respeito às ações tituladas nominativas integradas em sistema centralizado ou às ações escriturais nominativas ou às, essa identidade será obtida através da solicitação de informação pela sociedade emitente à entidade registadora.

Por sua vez, as ações ao portador não permitem à sociedade emitente conhecer a identidade dos titulares em cada momento. No que diz respeito às ações tituladas ao portador a transmissão, como se faz por entrega do título, não carece da intervenção da sociedade emitente. Tratando-se de ações escriturais ao portador, a entidade registadora já não tem de prestar aquela informação à sociedade emitente.

2. Os próximos meses vão trazer novidades quanto à opacidade das ações ao portador, podendo, inclusivamente, passar pela extinção dessas ações ou, pelo menos, pela extinção dessa sua opacidade, obrigando à divulgação dos seus titulares.

A mudança será forçada pela transposição da nova diretiva comunitária de prevenção do branqueamento de capitais, que, ao que consta, terá de ser aplicada a partir de Junho de 2017 e que obrigará cada sociedade a manter atualizado um registo central onde, em cada momento, identifica os seus acionistas e beneficiários efetivos. A ideia é que este registo central possa ser consultado pelas entidades de prevenção do branqueamento de capitais, pelo sistema financeiro e por outras partes que invoquem interesse legítimo.

Falta saber como é que a diretiva será transposta para a legislação nacional e se, com essa transposição, as autoridades nacionais optarão por extinguir as ações ao portador ou se forçarão à identificação de todos os seus titulares. Caso se opte pela extinção das ações ao portador, os títulos existentes terão de ser substituídos por ações nominativas. Caso se opte por obrigar à divulgação dos titulares das ações (o requisito mínimo previsto na diretiva) então as sociedades vão ter de identificar todos os seus acionistas.

A partir desse momento, as ações ao portador deixarão de ter a utilidade da opacidade porque a lei vai obrigar à identificação de todos os acionistas da sociedade emitente dessas ações.

3.  As ações ao portador estão há muito identificadas como um foco potencial de problemas. A OCDE vem defendendo a identificação dos seus titulares, enquanto os peritos nacionais preferem a sua extinção.

Trata-se de um instrumento que suscita problemas, nomeadamente quanto à identificação dos beneficiários efetivos e à opacidade que resulta da invisibilidade da sua transferência.

Vários países têm vindo a abandonar ou a eliminar a sua opacidade. Não é o caso de Portugal. Se a legislação nacional fosse integralmente cumprida já seria possível seguir o rasto ao titular de uma ação ao portador – apesar de elas serem em papel, não terem identificação e passarem de mão em mão.

A alternativa à eliminação das ações ao portador é a sua imobilização através de um custodiante que conheça o beneficiário. Ou, então, as sociedades emitentes têm de saber, em cada momento, quem são os donos dos títulos, com implementação rigorosa para garantir o cumprimento das regras.

Na Europa, nos últimos anos, vários países já conseguiram obter a efetiva identificação dos titulares das ações ao portador. Um dos casos é o Luxemburgo que obriga ao depósito de todos os títulos junto de um custodiante, que está obrigado a saber quem é o seu cliente. Mais significativo é ainda o caso do Reino Unido que além de ter abolido todos os tipos de ações ao portador já a partir de junho de 2016, obrigou todas as entidades a ter um registo atualizado com informações sobre os seus beneficiários. As entidades que não recolherem esta informação incorrem em multa ou pena de prisão (para o responsável pela entidade) e os acionistas que recusarem identificar-se ficam com os seus direitos imobilizados até cumprirem a obrigação.