Regime excepcional para as situações de mora no pagamento de rendas, no âmbito da pandemia COVID-19

Foi publicada, em Diário da República, a Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, com entrada em vigor no dia 7 de Abril, que fixa o regime excepcional para as situações de mora no pagamento de renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19, entretanto, regulamentada pela portaria n.º 91/2020, de 14 de Abril, com entrada em vigor no dia 15 de Abril.

Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril

O regime excepcional previsto na Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, aplica-se ao arrendamento urbano habitacional e não habitacional, bem como, com as necessárias adaptações, a outras formas contratuais de exploração de imóveis para fins comerciais (como por exemplo, entendemos nós, aos contratos de exploração de loja em centros comerciais e outros contratos atípicos análogos), nos seguintes termos:

1. Arrendamento habitacional

Relativamente ao arrendamento habitacional, o mencionado diploma estabelece que o regime legal é aplicável quando se verifique a quebra de rendimentos dos arrendatários e senhorios habitacionais, entendendo-se esta como:

a) Uma quebra superior a 20 % dos rendimentos do agregado familiar do arrendatário face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano anterior; e, cumulativamente,
b) A taxa de esforço do agregado familiar do arrendatário, calculada como percentagem dos rendimentos de todos os membros daquele agregado destinada ao pagamento da renda, seja ou se torne superior a 35 %; ou
c) Uma quebra superior a 20 % dos rendimentos do agregado familiar do senhorio face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano anterior; e, cumulativamente,
d) Essa percentagem da quebra de rendimentos seja provocada pelo não pagamento de rendas pelos arrendatários ao abrigo do disposto no presente diploma legal.

A demonstração da quebra de rendimentos é efectuada nos termos de portaria n.º 91/2020, de 14 de Abril, conforme adiante melhor se verá.

Nos casos supra referidos (artigo 3.º da Lei n.º 4-C/2020 conjugada com o artigo 4.º da portaria n.º 91/2020), o senhorio só tem direito à resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência (decretado em 19 de Março de 2020, renovado até 17 de Abril, sendo expectável que venha a ser novamente renovado até 1 de Maio) e no primeiro mês subsequente, se o arrendatário não efectuar o seu pagamento, no prazo de 12 meses contados do termo desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda de cada mês.

Os arrendatários que se vejam impossibilitados do pagamento da renda (desde que reúnam as condições e pretendam beneficiar deste regime excepcional), têm o dever de informar o senhorio, por escrito, até 5 dias antes do vencimento da primeira renda em que pretendam beneficiar do regime, juntando a documentação comprovativa da situação, nos termos dos artigos 6.º e 7.º da portaria n.º 91/2020.

O mencionado prazo de 5 dias para o exercício do dever de informação pelo arrendatários não se aplica às rendas que se vençam a partir de 1 de Abril de 2020, podendo em tal caso a notificação ser feita até 20 dias após a data de entrada em vigor da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, o que se verificou no dia 7 de Abril.

O diferimento do pagamento das rendas ao abrigo do presente diploma legal não está sujeito ao pagamento de indemnização por mora, prevista no n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil.

2. Apoios financeiros no arrendamento habitacional

Os arrendatários habitacionais, bem como, no caso dos estudantes que não aufiram rendimentos do trabalho, os respetivos fiadores, que tenham, comprovadamente a quebra superior a 20% dos rendimentos do agregado familiar, nos termos referidos nas alíneas a) e b) do artigo 3.º do diploma legal e se vejam incapacitados de pagar a renda das habitações que constituem a sua residência permanente ou, no caso de estudantes, que constituem residência por frequência de estabelecimentos de ensino localizado a uma distância superior a 50 km da residência permanente do agregado familiar, podem solicitar ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., a concessão de um empréstimo sem juros para suportar a diferença entre o valor da renda mensal devida e o valor da renda que podem suportar em função dos seus rendimentos e do agregado familiar (taxa de esforço máxima de 35 %, não podendo o rendimento disponível restante do agregado ser inferior ao indexante dos apoios sociais (IAS).

Os arrendatários que solicitem empréstimo ao IHRU, I. P., não podem beneficiar de deferimento do pagamento da renda enquanto vigorar o estado de emergência, devendo, por consequência, proceder ao seu pagamento atempado ao senhorio.

Por seu turno, os senhorios habitacionais que tenham, comprovadamente, a quebra superior a 20% dos rendimentos do agregado familiar, referida nas alíneas c) e d) do artigo 3.º do diploma legal e cujos arrendatários não recorram a empréstimo do IHRU, I. P., podem solicitar a este Instituto Público, a concessão de um empréstimo sem juros para compensar o valor da renda mensal, devida e não paga, sempre que o rendimento disponível restante do agregado desça, por tal razão, abaixo do IAS.

As condições de concessão dos empréstimos são objecto de regulamento elaborado pelo IHRU, I. P. (disponível em http://www.portaldahabitacao.pt), sujeita a homologação do membro do Governo responsável pela área da habitação.

3. Arrendamento não habitacional

Relativamente ao arrendamento não habitacional, o mencionado diploma estabelece que o regime legal é aplicável quando se verifique a quebra de rendimentos dos arrendatários titulares de:

a) Estabelecimentos abertos ao público destinados a actividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respectivas actividades suspensas ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março, ou por determinação legislativa ou administrativa, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, na sua redacção actual, ou ao abrigo da Lei de Bases da Protecção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de Julho, na sua redacção actual, da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de Setembro, ou de outras disposições destinadas à execução do estado de emergência, incluindo nos casos em que estes mantenham a prestação de actividades de comércio electrónico, ou de prestação de serviços à distância ou através de plataforma electrónica;
b) Estabelecimentos de restauração e similares, incluindo nos casos em que estes mantenham actividade para efeitos exclusivos de confecção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio, nos termos previstos no Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março, ou em qualquer outra disposição que o permita.

Os arrendatários que se encontrem nas situações supra referidas pode diferir o pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para os 12 meses posteriores ao término desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda do mês em causa.

A falta de pagamento das rendas que se vençam nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, não pode ser invocada como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos, nem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis.

Aos arrendatários abrangidos pela quebra de rendimentos, nos termos supra referidos não é exigível o pagamento de quaisquer outras penalidades que tenham por base a mora no pagamento de rendas que se vençam nesse período.

4. Entidades públicas

Por fim, o artigo 11.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, prevê ainda a possibilidade da (i) redução de renda devidas a entidades públicas com imóveis arrendados quando os arrendatários que tenham, comprovadamente, uma quebra de rendimentos superior a 20 % face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano anterior, quando da mesma resulte uma taxa de esforço superior a 35 % relativamente à renda; (ii) de isentar do pagamento de renda os seus arrendatários que comprovem ter deixado de auferir quaisquer rendimentos após 1 de Março de 2020 e (iii) de estabelecer moratórias.

Portaria n.º 91/2020, de 14 de Abril

A portaria n.º 91/2020, de 14 de Abril define, em execução do disposto no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, os termos em que é efectuada a demonstração da quebra de rendimentos para efeito de aplicação daquele regime excepcional a situações de incapacidade de pagamento das rendas habitacionais devidas a partir de 1 de Abril de 2020 e até ao mês subsequente ao termo da vigência do estado de emergência.

Esta portaria tem por objecto as situações em que, devido à situação excepcional provocada pela doença COVID-19, se verifique uma quebra superior a 20 % dos rendimentos de:

a) Arrendatário de habitação que constitua a sua residência permanente, quando a parte percentual do total dos rendimentos mensais dos membros do seu agregado familiar que é destinada ao pagamento da renda mensal da habitação seja superior a 35 %;
b) Estudante com contrato de arrendamento para habitação situada a uma distância superior a 50 km da residência permanente do seu agregado familiar, para frequência de estabelecimento de ensino, quando a parte percentual do total dos rendimentos mensais dos membros do seu agregado familiar que é destinada ao pagamento da renda mensal da habitação seja superior a 35 %;
c) Fiador de arrendatário habitacional que seja estudante e não aufira rendimentos do trabalho, quando a parte percentual do total dos rendimentos mensais dos membros do agregado familiar do fiador destinada ao pagamento da renda mensal da habitação do estudante seja superior a 35 %; ou
d) Senhorio de arrendatários habitacionais, quando a quebra no rendimento mensal dos membros do seu agregado familiar decorra do não pagamento de rendas pelos seus arrendatários ao abrigo do regime excepcional previsto da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril e o rendimento disponível restante desse agregado desça abaixo do valor do indexante dos apoios sociais (IAS).

Para os efeitos desta portaria, há que ter em atenção ao seguinte:

a) Considera-se que o agregado familiar do arrendatário, do estudante, do fiador ou do senhorio é o conjunto de pessoas definido nos termos do artigo 13.º, n.º 4 e 5 do CIRS, na sua redacção actual;
b) Presume-se que a residência permanente do arrendatário e do estudante a habitação correspondente à sua morada fiscal.

A quebra de rendimentos superior a 20% decorrente de facto relacionado com a situação epidemiológica provocada pela doença COVID-19, é demonstrada:

a) No caso do arrendatário de habitação, Estudante e Fiador do arrendatário habitacional, (i) pela comparação entre a soma dos rendimentos dos membros do agregado familiar no mês em que ocorre a causa determinante da alteração de rendimentos com os rendimentos auferidos pelos mesmos membros do agregado no mês anterior ou (ii) no período homólogo do ano anterior;
b) No caso dos senhorios, (i) pela comparação entre a soma dos rendimentos dos membros do respectivo agregado familiar no mês em que se verifica o não pagamento das rendas devidas pelos seus arrendatários com os rendimentos auferidos pelos mesmos membros do agregado no mês anterior ou (ii) no período homólogo do ano anterior.

No caso de membros do agregado habitacional em que a maior parte dos seus rendimentos derive de trabalho empresarial ou profissional da categoria B do CIRS, quando a facturação do mês anterior à ocorrência da quebra de rendimentos não seja representativa, estes podem optar por efectuar a demonstração da diminuição dos rendimentos com referência aos rendimentos do período homólogo do ano anterior, mantendo–se o primeiro critério (da comparação entre soma dos rendimentos) para os restantes membros do agregado.

São considerados relevantes para efeito da demonstração da quebra de rendimentos:

a) No caso de rendimentos de trabalho dependente, o respectivo valor mensal bruto;
b) No caso dos rendimentos empresariais ou profissionais da categoria B do CIRS, o valor antes de IVA;
c) No caso de rendimento de pensões, o respectivo valor mensal bruto;
d) No caso de rendimentos prediais, o valor das rendas recebidas;
e) O valor mensal de prestações sociais recebidas de forma regular;
f) O valor mensal de apoios à habitação recebidos de forma regular;
g) Os valores de outros rendimentos recebidos de forma regular ou periódica.

Os rendimentos são comprovados do seguinte modo:

1. Os rendimentos de trabalho dependente são comprovados pelos correspondentes recibos de vencimento ou por declaração da entidade patronal.
2. Os rendimentos empresariais ou profissionais são comprovados pelos correspondentes recibos ou, nos casos em que não seja obrigatória a sua emissão, pelas facturas emitidas nos termos legais
3. Os rendimentos provenientes de pensões, prediais, prestações sociais, apoios à habitação e de outros rendimentos recebidos de forma regular ou periódica, são comprovados por documentos emitidos pelas entidades pagadoras ou por outros documentos que evidenciem o respectivo recebimento, nomeadamente obtidos dos portais da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Segurança Social ou ainda pela declaração sob compromisso de honra do beneficiário, quando não seja possível a obtenção daquela declaração, atenta a natureza da prestação;
4. No caso do senhorio de arrendatários habitacionais, o não pagamento de rendas ao senhorio em virtude do regime excepcional da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, é demonstrado por este através da corres pondente comunicação do arrendatário.

Sempre que não seja possível a obtenção dos comprovativos do valor dos rendimentos empresariais ou profissionais, provenientes de pensões, prediais, prestações sociais, apoios à habitação e de outros rendimentos recebidos de forma regular ou periódica, estes podem ser atestados mediante declaração do próprio, sob compromisso de honra ou do contabilista certificado no caso de trabalhadores independentes no regime de contabilidade organizada.

Os comprovativos dos rendimentos objecto das declarações sob compromisso de honra devem ser entregues no prazo máximo de 30 dias após a data de comunicação ao senhorio ou do requerimento apresentado ao IHRU, I. P., consoante for o caso, salvo se a obtenção do comprovativo ainda depender, à data, de emissão por entidade competente para o efeito, caso em que esse facto deve ser comunicado ao senhorio ou ao IHRU, I. P., consoante for o caso, com indicação da data prevista para a respetiva obtenção.

As comunicações entre os arrendatários e os senhorios e, se for o caso, para o IHRU, I. P., são preferencialmente realizadas por correio eletrónico.

As pessoas que, para efeito de demonstração da quebra de rendimentos nos termos desta portaria, como requisito para acesso às medidas excepcionais de apoio previstas na Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, entregarem ou subscreverem documentos que constituam ou contenham falsas declarações, são responsáveis pelos danos que venham a ocorrer, bem como pelos custos incorridos com a aplicação das referidas medidas excepcionais, sem prejuízo de outro tipo de responsabilidade gerada pela conduta, nomeadamente criminal.